sexta-feira, 30 de maio de 2014

Em busca de "algo mais".


Acho que esse artigo é o que ficou mais tempo no rascunho do meu blog. Há tempos tenho vontade de escrever sobre esse "algo mais" que nós, motociclistas, buscamos em nossas vidas ao empreender viagens de motocicleta. Na verdade, não precisa ser , necessariamente, de motocicleta. Pode ser de barco (veja Amyr Klink), de bicicleta, apenas mochilando a pé ou usando qualquer outro meio incomum para viajar. De carro ou de avião não vale, pois acho que não existem meios mais chatos.

Mas não é fácil escrever sobre isso, porquê em alguns momentos você faz algumas incursões filosóficas ou mesmo poéticas e corre o risco de ser tachado de piegas. Não importa. Corremos risco o tempo todo, mais ainda para quem é motociclista.

Penso que as pessoas que buscam esse "algo mais" estão se cansando de uma vida cheia de monótonas certezas.  De casa para o trabalho, do trabalho pra casa. O tempo "voando", a vida meio sem sentido e a gente se perguntando: será que a vida é só isso?. Funciona mais ou menos assim: voce liga o "piloto automático" e vai fazendo as coisas meio que sem sentí-las, sem estar ali presente. O corpo está ali, mas a mente está em algum lugar do passado ou do futuro. Ou ainda na "caixinha do nada". Não há prazer, nem alegria em fazer as coisas. Você apenas as executa. Apenas o cumprimento de um dever.

Corpo e alma. Alimento para o corpo, como necessidade básica de sobrevivência, não há o que se falar.

Esse "algo mais" talvez seja uma busca de alimento para a alma. Elevar o nível do nosso foco. Deixar de lado as tolices, motivos fúteis e fatores externos, que roubam nosso tempo, nossa energia e nossa atenção o dia todo. Ou, pelo menos, equilibrar um pouco essa conta e focar mais naquilo que é realmente importante.

Uma busca pelo essencial da vida. E nesse campo, não podemos esquecer dos quatro elementos essenciais que aprendemos lá no passado: água, fogo, terra e ar.
Até bem pouco tempo atrás, não tínhamos muitas coisas que hoje alguns consideram imprescindíveis, como vídeo game, computador, smartphones, internet, enfim todo um mundo virtual criado pela mente brilhante do homem. Mas tínhamos muito mais contato com o mundo real. Eu mesmo joguei bola em campinhos de terra e grama. Os campinhos foram transformados em quadras e as cidades impermeabilizadas pelo concreto. Também brinquei na água da chuva. Sentia o vento andando de bicicleta e ralava os joelhos nas quedas. O contato com aqueles elementos era constante e daí vinha a alegria e o prazer.

É perfeitamente possível conceber um mundo sem aquelas maravilhas da tecnologia citadas acima, mas não posso imaginar um mundo sem a chuva que rega, sem a beleza das ondas do mar que embalam o surfista.
Não posso imaginar um mundo sem o calor do sol que agrada a pele e sua luz que colore a natureza.
Sem o fogo que ilumina e aquece.
Não posso imaginar um mundo sem o vento onde navegam as nuvens, os pássaros, o cheiro do mato e da chuva que chega.
Não posso imaginar um mundo sem a terra que concebe a vida onde as plantas enterram suas raízes.

Corpo se alimenta de pão. Alma não se alimenta de pão. Alma se alimenta de essência, de beleza, da beleza da mãe-natureza. Pão estufa e pesa. Beleza dá leveza e emoção. Tanta emoção que, às vezes, ao contemplar um belo cenário em nossas viagens, faz encher os olhos d´água.
Mas há que se ir devagar, com paciência e passos curtos. Há que se saber esperar, pois a natureza anda devagar. Precisamos aprender com a natureza e também andar devagar, pilotar devagar, sem pressa. Porquê mais importante que o destino, é o caminho percorrido. Numa viagem de moto, por exemplo, cada paisagem, cada imagem merece um olhar preguiçoso, merece ser apreciada e contemplada com calma. Somos parte da natureza e ela não foi ainda atingida pela loucura da nossa pressa. E espero que nunca o seja.

O que escrevo acima justifica também o porquê prefiro viajar para um lugar remoto, com pouca gente, mas de natureza exuberante, com vales, montanhas e rios, ao invés de ir para uma praia famosa ou um ponto turístico famoso, lotado de gente. Muita gente, onde todo mundo fala e ninguém escuta. Onde todo mundo vê, mas ninguém contempla.

Os olhos são a porta pela qual a beleza entra na alma. Mas é preciso ter os olhos educados para "contemplar". Contemplar está definido como "admirar com o pensamento", entre outras coisas, no dicionário Michaelis. Mas não temos uma matéria na escola chamada "educação dos sentidos". A escola está preocupada em transformar as pessoas em máquinas úteis para a sociedade, para produzir algo útil. Após esse processo, as pessoas serão então transformadas em ferramentas úteis, em unidades de produção. Somos educados para ser alguém na vida. Penso que a vida não se justifica por aquilo que produzimos de útil, posto que, nos "flashes" finais de nossa existência, só o que restará serão os momentos de beleza contemplada, de alegria e de amor gravados na alma.

Para usar um chavão amplamente divulgado, mas verdadeiro, a educação é a base de tudo e só ela transforma. Isto posto, a "educação dos sentidos" só vem se você investir parte do seu tempo e de sua energia para aprimorar seus sentidos. E a leitura é um dos caminhos. Pena que as pessoas, de um modo geral, leem pouco. Preferem só ver imagens ou ler textos curtos nas redes sociais. Não tem mais paciência. Querem fazer tudo rápido. Comem rápido, andam rápido, dirigem rápido, falam rápido, só "dão rapidinhas" e etc. Trocaram a profundidade pela superficialidade.

Nos vários relatos de viagem de moto que já li, invariavelmente encontrava a frase: "...depois de uma boa viagem, você nunca mais será o mesmo...". Não veem a vida da mesma forma que antes. 
Um poeta inglês de nome T.S.Eliot (Nobel de Literatura de 1948) escreveu mais ou menos assim:
"E o fim de todas as nossas explorações, será chegar ao lugar de onde partimos, e conhecê-lo então pela primeira vez."
Penso que a constante busca por esse "algo mais" é uma metáfora para uma filosofia de vida, um jeito de viver com sabedoria.

Depois de deixar o meu "piloto automático" ligado durante muito tempo, em 2009 comprei minha primeira motocicleta, uma Yamaha Fazer 250, que me proporcionou muitas alegrias. Em janeiro de 2013, eu a troquei pelo meu sonho de consumo, a Suzuki VStrom 650, minha "Suzi", com a qual pretendo ainda fazer muitas grandes viagens. Desde 2009, sinto que a minha motocicleta é a minha mão que se estende, à procura de amigos. Amigos para compartilhar caminhos, para rir, para sentir alegria e felicidade, pois é para isso que a vida é feita.

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