sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Dia 12 – 08/01/2015 – Paso San Francisco - De Copiapó (Chile) a Fiambala (Argentina) – 470 km.

Este foi, pelo menos para mim, o grande dia da nossa viagem ao Deserto do Atacama, devido à passagem pelo Paso San Francisco. Tinha visto várias fotos e vídeos na internet deste Paso e, devido a sua beleza e desafio, eu o incluí no roteiro.
Na escolha do roteiro, levei em consideração pelo menos duas premissas. Primeiro, que queria fazer o caminho de volta diferente do da ida. O raciocínio é que, uma vez na estrada, devemos aproveitar para conhecer o máximo de cenários, lugares e culturas diferentes. Segundo, queria adicionar um pouco de aventura e adrenalina à viagem. O caminho para San Pedro de Atacama passa pelo Paso Jama, que é todo asfaltado, mas, apesar das magníficas paisagens, não acrescenta muita emoção e adrenalina à pilotagem, já que é um local onde passam dezenas de veículos todos os dias.
Já a volta pelo Paso San Francisco, uma estrada bem menos movimentada, num total de 470 km, tem belos cenários e pelo menos dois desafios. O de pilotar uns 60 km de rípio ruim, que mistura terra, areia e cascalho e outros 150 km de rípio bom, compactado e que não oferece maiores riscos. Os outros 260 km, de um total de 470 km, são asfaltados (parte no Chile e a maior parte na Argentina-210km). Aquele trecho inicial a partir de Copiapó até a aduana chilena de 150 km, que é de um rípio bem compactado, você pode acelerar, no limite, até uns 120 km/h.
O outro desafio do San Francisco é que, nesses 470 km, não há abastecimento de combustível. Exceto pelas duas aduanas, não há mais nada. Não há água potável, eletricidade, comida, ou uma borracharia para consertar um pneu furado. É preciso levar bastante água, comida (frutas secas e cereais em grãos e barras). Como é muito raro uma moto com autonomia de 470km (a GS1200 ano 2007 do Coyote, com tanque de 33 litros, deve rodar isso), tivemos que levar galão de combustível extra. O meu galão extra é de 10 litros, que somados aos 22 da V-Strom, foram suficientes. As GS 800, com tanque de 16, levaram mais 15 litros extra e deram conta com folga.
Alguns viajantes relatam que a aduana argentina, lá no meio do Paso, vende combustível em barris, mas eu me esqueci de checar isso quando passei na aduana. É, eu sei, imperdoável um esquecimento desses. Mas eu espero que outros viajantes que passem por lá possam confirmar se ainda vendem.
Assim, para finalizar essa questão da escolha do roteiro, acho que fizemos uma excelente opção, ao combinar o Paso Jama na ida, todo asfaltado e o Paso San Francisco na volta, ganhando o prazer e a experiência de pilotar no rípio chileno. Experiência essa que pode ser útil no futuro, caso resolva programar uma viagem ao Ushuaia que, segundo um casal de amigos que lá estiveram esse final de ano, tem cerca de 300 km de rípio ruim.
Com a pressa em sair de Antofagasta, esquecemos de trocar mais dólares em pesos chilenos, e assim, no dia seguinte, nossa saída foi atrasada porquê tivemos de passar na casa de câmbio no centro de Copiapó, que só abria às 9h. Após o câmbio, voltamos ao Hotel para fechar a conta e saímos já por volta das 10h. Queria eu, logicamente, abastecer naquele último posto antes do Paso, que aliás é um Petrobrás, porquê, de qualquer forma, iria parar nele para tirar a foto naquela famosa placa que diz: “Paso San Francisco, Proximo abastecimento combustibles, Fiambala 470 kms”. Veja a foto da famosa placa.
Deixamos, portanto, de abastecer as motos dentro da cidade e, chegando no posto Petrobrás, encontramos o caminhão tanque abastecendo o reservatório do posto. Resultado: mais 40 minutos de espera. Pegamos a estrada, portanto, as 11h. Muito tarde para quem tinha 470 km para rodar nas condições já descritas acima e com um detalhe importante. As aduanas, chilena e argentina, que ficam no meio do Paso, fecham às 19 horas na época de verão e às 15h, se não me engano, no inverno, segundo os funcionários das aduanas.
Na saída de Copiapó, pela Ruta CH-31, você pega alguns poucos quilômetros de asfalto, para depois sair à direita para o Paso San Francisco, na mesma CH-31. Logo uma placa avisa que a aduana chilena está a 146 km. Esse trecho inicial, parcialmente pavimentado com sal da própria região, é de pilotagem tranquila e você pode rodar entre 80 e 120 km/h. À medida em que se vai subindo em direção ao Paso, a pista vai se deteriorando aos poucos, mas as paisagens e cenários vão ficando cada vez mais bonitos. Na chegada ao galpão onde fica a aduana chilena, avistamos à direita o Salar de Maricunga. Ou melhor, você avista o Salar antes de ver o galpão da aduana. Confira nas fotos.
Outra consequência de termos saído tarde de Copiapó foi que, quando chegamos à Aduana, havia um ônibus de brasileiros na fila de imigração. Não é uma rota normal para ônibus de linha. Era de um time de futebol do Brasil que foi jogar na Argentina e no Chile. Conversando com o organizador da viagem, ele resolveu seguir o Paso San Francisco, pois já tinha feito de carro no passado e queria mostrar aos demais passageiros. Enfim, perdemos umas 2 horas na aduana. Eram 15h quando saímos da aduana chilena.
Na saída da aduana, tem uns 50 km já asfaltados e máquinas trabalhando para asfaltar o restante até a placa da divisa internacional com a Argentina. Após o asfalto, vem o rípio em mal estado. Antes de começar o rípio, quando você perceber a deterioração do asfalto, recomendo parar e baixar a calibragem dos pneus. No meu traseiro, baixei de 40 libras para 25 mais ou menos, e na dianteira de 36 para 20 ou 21. Melhora bastante o conforto na pilotagem e você sente a moto mais na mão.
O trecho do rípio em mal estado é o mais bonito do lado chileno. A altitude é de cerca de 4700 m e eu recomendo a você: pare várias vezes para apreciar a paisagem e tirar fotos. É um cenário único e, provavelmente, você não vai ver cenário parecido tão cedo.
Num dado momento, avistamos, do nosso lado direito, o vulcão Ojos del Salado (6.879 m.s.n.m.), uma visão linda, impressionante, com seu pico ainda branco de neve. Também o vulcão San Francisco, com seus 6.018m.
Montanhas surgem por todos os lados, de várias cores e formas, com uma vegetação baixinha, de cores amareladas, misturada com tons cor de pastel de feira. Outras montanhas iam do lilás ao verde claro, numa orgia de cores e formatos.
A cada curva, uma surpresa. Numa dessas, eis que surge a Laguna Verde, a 4200 m de altitude. De uma cor esmeralda escura. Um espetáculo à parte. Daqui a algumas dezenas de anos, ela vai secar e virar um grande salar e essa cor deve ser por causa das altas concentrações de sal e outros minerais. Parei a moto para fotografar, olhava a foto batida, olhava o cenário a minha frente e dizia que a minha máquina não fazia justiça ao que eu estava contemplando.
Nesse pedaço da Laguna Verde, o rípio estava ruim. Os policiais da imigração chilena, muito simpáticos por sinal, nos avisaram que os jipes do Rally Dakar tinham encalhado ali no dia anterior e, para sair do areião, pisaram fundo, patinaram e acabaram formando buracos na parte central da pista. Se você passar mais na parte lateral da pista, vai fugir desses buracos grandes. Assim que conseguir editar os vídeos que fiz, vou colocar um que dá a exata noção desse trecho, quando inclusive encalhei no areião, mas consegui segurar a moto com os pés no chão pra não cair. Mais pra frente, faltando 150m pra chegar na placa do Paso e, consequentemente, no asfalto argentino, não teve jeito. Cansado e com o raciocínio lento e meio afetado pela altitude, caí com a moto na areia a uns 30 km/h. Fiquei muito “p” da vida na hora, mas depois os colegas chegaram, fizeram piada e tudo acabou em risos e fotos da moto tombada na areia. Não aconteceu nada comigo ou com a moto. Os baús de plástico da Givi sofreram alguns riscos apenas.
Paramos todos na placa para sacar as fotos e encher os pneus que estavam baixos, usando o mini-compressor que eu havia levado. Demorou um pouco até recalibrar os pneus das quatro motos. Ao lado da placa, há um refúgio, que são abrigos construídos para amparar os viajantes que tenham sofrido alguma quebra no veículo/moto ou um contratempo qualquer, ou mesmo que queiram passar a noite ali. Já cheguei a pensar o quanto deve ser bom passar uma noite ali, levantar de madrugada, contemplar o céu estrelado e depois ver o sol nascer naquele lugar. Deve ser um deleite, um gozo mental, uma orgia de ordem mística. Quem sabe um dia não faço isso com a minha mulher Helen ao meu lado.
Há vários refúgios (uns 6 acho) ao longo do trecho inicial do lado argentino. Eles têm placas solares para gerar energia e alimentar os rádios comunicadores para falar com os funcionários da aduana, mas não sei se estavam funcionando.
Saímos rápido dali pois tínhamos ainda a aduana argentina para fazer os trâmites migratórios e faltavam só 30 minutos para fechar.
Após a aduana argentina, achei que as belas paisagens tinham terminado. Que nada. O lado argentino é tão ou mais bonito que o chileno. Começamos a descer rápido e a avistar manadas de vicunhas, típicas da região, cruzando a pista. Parecem filhotes de camelo, com uma pele amarelada e que se confunde com a vegetação amarelada das montanhas. Pena que não consegui fotografar nenhuma. Se conseguir uma foto das vicunhas com os colegas, posto aqui.
As montanhas do lado argentino são de cair o queixo, de tirar o resto do fôlego, já baqueado pela altitude. Veja nas fotos a cor amarelo ouro daqueles matinhos que deixam as montanhas com nuances incríveis. Nunca imaginei que pudesse haver lugar parecido com isso. Nessa altura, a bateria extra da GoPro que eu levava no capacete já tinha esgotado.
O esforço do dia aumentou demais a nossa fome e tivemos que parar para jantar no Hotel Las Cortaderas, que fica no meio do nada. Tentamos passar a noite ali mesmo, mas estava lotado e tivemos que seguir viagem à noite para chegar em Fiambalá, distante ainda 98 km dali. Por isso, volto a dizer: faça todo o possível e o impossível para sair cedo, ao encarar a travessia do Paso San Francisco. Correu tudo bem nessa parte final e, ao chegar a Fiambala, fomos direto à Hosteria Municipal, onde eu tinha reservado os quartos por telefone, uns 90 dias antes da viagem. Apesar de chegarmos tarde, por volta das 22h, a reserva ainda estava assegurada. Eu não localizei essa Hosteria Municipal no Booking.com ou qualquer outro site de reservas. Talvez porque seja uma hosteria do governo. Tive que fazer uma ligação internacional para reservar e até que meu portunhol funcionou bem. Não pediram garantia de cartão de crédito, nem nada. Foi reservado no fio do bigode mesmo. E deu tudo certo. Recomendo o lugar. O telefone atualizado você pode pegar no site da cidade na pesquisa do Google.
Desculpem o relato longo do dia de hoje, mas é que considero essa travessia uma das mais bonitas e desafiadoras, com base nos relatos que já tinha lido e agora com base na minha experiência própria. Eu queria detalhar a descrição para ajudar o máximo possível outros motociclistas que queiram fazer o Paso San Francisco. É uma tentativa de retribuir a paciência e o cuidado que outros colegas tiveram ao postar as suas viagens na internet e que eu tanto me beneficiei disso ao planejar a minha travessia.
Se ainda me lembrar de algo que esqueci de relatar, voltarei aqui.
Não esqueça de clicar nas fotos para vê-las ampliadas.
Do Chile para a Argentina, 470 km sem combustível. Tivemos que levar combustível reserva.

Três tipos de gasolina (nafta) no Chile. Para saber o preço em reais, divida por 190.



Trecho inicial de asfalto até pegar o rípio.

Depois desta curva, pegue à direita para o Paso San Francisco.

Rípio compactado com sal no início da estrada.





Paradinha básica para hidratação.


Serra. Cenário começa a mudar.

E a pista estreitando....




O rípio aqui já não é tão bom.


Outra parada para hidratação e fotos. 







E subindo...

Cuidado com a serrinha.

Cenários cada vez mais bonitos...





Neste ponto, já tínhamos rodado cerca de 145 km. Avistamos o Salar de Maricunga, com a aduana chilena ao lado.


Chegando na aduana...

Barracão da aduana chilena.

Na aduana para os trâmites migratórios e um ônibus com turistas ao lado.


Logo na saída da aduana: asfalto razoável.


Ainda o Salar de Maricunga.



Final do asfalto...


Acabou a moleza, agora é rípio brabo.


...mas o cenário é cada vez mais bonito.

Só pra ver se todos estavam bem....

E a Suzi adora dar umas dançadinhas, ora pra esquerda, ora pra direita....rsrsrsrs


Montes de areia e pedra ao lado da pista.




Ops....,areião brabo e a  moto do Coyote no chão, eu e o MM fomos lá ajudar a levantar.


Tudo certo com o Coyote e a moto, seguimos viagem.


Centro da foto ao fundo, o vulcão OJOS DEL SALADO.

Imponente.




A vontade era sair da estrada e ir até mais próximo do vulcão. Mas o juízo falou mais alto.


Eis que, após uma curva, a LAGUNA VERDE.

Êxtase e admiração ao contemplar a Laguna.



Um verde-esmeralda que a máquina não consegue captar.

E a estrada segue margeando a Laguna.


Você até esquece do rípio diante da beleza das paisagens.



Olha aí o MM admirando a paisagem.

O Coyote mais a frente contemplando a paisagem.

O vulcão San Francisco, se não me engano.





Quase fui ao chão, fiquei atravessado na pista, mas deu pra segurar a moto, botando os pés no chão.





...subindo pra chegar na placa do Paso San Francisco.

Explicando aqui a minha atravessada na pista.

Montes nevados...


Queda na areia a 150m da placa da divisa com a Argentina.

Fiquei "p" da vida com a queda tão perto do asfalto. Mas depois virou piada e até o BB quis uma foto na areia com a Suzi.

Queda consumada, quero uma foto também.

Enfim, a placa do Paso San Francisco.

Calibrando os pneus com o mini compressor que eu levei.


Lado argentino, só asfalto.

Uma espécie de cabana ou refúgio para situações emergenciais.


Pedi licença e permissão para uma foto dentro da cabana.


A foto do Paso não ficou boa, mas tá valendo.

Outra tentativa de registrar o Paso.


Lado argentino, tão bonito quanto o lado chileno.












Chegando na aduana argentina para os trâmites migratórios de entrada no país.

Dentro do escritório da aduana.

Agora, os cenários mais deslumbrantes que já tinha visto.



Cuidado com as pedras na curvas.



Você já viu estrada mais bonita ?



O MM, Marconde Miranda, dentro de um cartão postal.




Pode isso ? Não tinha a mínima noção que poderia existir lugar assim.


A estrada mais bonita que já vi.