segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

A escritora Martha Medeiros

Tudo bem caros leitores que esta postagem não é sobre viagens de motocicleta, mas uma boa leitura também é uma das minhas paixões, assim como as viagens de moto.

Então, se você aprecia uma boa leitura e ainda não conhece Martha Medeiros, não deixe de conferir este artigo.

Assim como fiz com Rubem Alves, um dos meus escritores favoritos, a quem já prestei minha singela homenagem aqui no blog, quero fazer o mesmo com a escritora gaúcha Martha Medeiros.

Martha Medeiros (MM) é uma daquelas brasileiras de quem a gente pode se orgulhar, por suas inúmeras obras, passando pelo romance, relatos de viagem, poesia e as incríveis crônicas, tendo inclusive já sido traduzida no exterior.

Um pouco diferente do escritor Rubem Alves, que por vezes exibe uma linguagem um tanto rebuscada, Martha se mostra objetiva, pessoal, transparente e, na minha opinião, sem usar linguagem complexa e/ou com múltiplos significados, o que poderia, por vezes, desestimular a leitura.

Ainda não conheço sua poesia, mas suas crônicas são incríveis, maravilhosas, divinas, pois provocam em mim emoção, risos, surpresa e etc. Relatam e analisam situações do nosso cotidiano, nossas alegrias, desejos, medos, angústias e etc.

Martha também não foge de temas polêmicos, como o aborto, a busca da felicidade, o casamento/divórcio e etc, e expõe uma opinião firme, madura, que mostra uma personalidade forte e íntegra.

Sobre o aborto, ela escreve que é hora de debater o assunto sem tanto sentimentalismo e vai direto às questões recorrentes que fazem a ela :

"Como tens coragem de defender o assassinato de uma criança ?
MM: Não é uma criança e não é assassinato: trata-se de interromper a formação de um embrião, bem no início da gestação, a fim de respeitar os motivos de quem chegou antes, a gestante. Quem usa palavras apelativas ajuda a manter o país entre os mais atrasados do mundo.

Quem é contra a legalização do aborto está protegendo os direitos humanos.
MM: Não está. A criminalização serve apenas para punir as mulheres. Nenhuma delas levará adiante uma gestação indesejada só porquê o governo, que não a conhece, quer que ela tenha um filho. Ela abortará de qualquer jeito, como provam as estatísticas. Se tiver dinheiro, o fará em boas condições. Se for pobre, poderá adoecer, ficar infértil ou mesmo vir a óbito.

Quem engravida de forma involuntária é ignorante ou irresponsável, precisa do controle do Estado.
MM: Gravidez é fruto do desejo e do sexo. Duas coisas que não primam pela racionalidade. Mulheres inteligentes e bem informadas também ficam grávidas sem querer. O paternalismo não procede.

O que você acharia se sua mãe tivesse abortado você ?
MM: O mundo não perderia nada. Ninguém dá falta do que nunca existiu.

E prossegue dizendo, quando se refere à bancada parlamentar que nos governa:
"...Senhores deputados, concentrem-se nos milhões que já nasceram e que precisam de políticas de inclusão. Não desperdicem energia com o que não vai mudar: mulheres abortarão sempre que julgarem necessário. Nem lei, nem opinião pública, nem religião, nada fará com que uma mulher ceda a estranhos o direito que ela tem sobre o próprio corpo e o próprio destino. Abortar é uma violência, nenhuma mulher deseja isso, mas cabe só a ela e a seu parceiro decidirem.

(Crônica "Entrevista sobre o aborto", pág. 78 do livro "Quem diria que viver ia dar nisso".)


Sobre a busca da felicidade, na crônica "Feliz por nada" (pág. 141 do livro "Feliz por nada"), MM diz que quando estamos felizes, há sempre um motivo, mas que muito melhor é ser feliz por nada e que, talvez, isso passe pela total despreocupação com essa busca incessante que nos inferniza. "Faça isso, faça aquilo". A troco? Quem garante que todos chegam lá pelo mesmo caminho ?

E MM prossegue :
"Particularmente, gosto de quem tem compromisso com a alegria, que procura relativizar as chatices diárias e se concentrar no que importa pra valer, e assim alivia o seu cotidiano e não atormenta o dos outros. Mas não estando alegre, é possível ser feliz também. Não estando 'realizado', também. Estando triste, felicíssimo igual. Porquê felicidade é calma. Consciência. É ter talento para aturar o inevitável, é tirar algum proveito do imprevisto, é ficar debochadamente assombrado consigo próprio: como é que eu me meti nessa, como é que foi acontecer comigo? Pois é, são os efeitos colaterais de se estar vivo."

"Benditos os que conseguem se deixar em paz. Os que não se cobram por não terem cumprido suas resoluções, que não se culpam por terem falhado, não se torturam por terem sido contraditórios, não se punem por não terem sido perfeitos. Apenas fazem o melhor que podem."

"Se é para ser mestre em alguma coisa, então que sejamos mestres em nos libertar da patrulha do pensamento. De querer se adequar à sociedade e ao mesmo tempo ser livre. Adequação e liberdade simultaneamente ? É uma senhora ambição. Demanda a energia de uma usina. Para que se consumir tanto?"

"A vida não é um questionário de Proust. Você não precisa ter que responder ao mundo quais são suas qualidades, sua cor preferida, seu prato favorito, que bicho seria. Que mania de se autoconhecer. Chega de se autoconhecer. Você é o que é, um imperfeito bem-intencionado e que muda de opinião sem a menor culpa. Ser feliz por nada talvez seja isso."

Martha Medeiros entrevistada por Marília Gabriela.
Sobre o casamento e o divórcio, MM diz que o casamento já não é a ambição nº 1 de muitos adolescentes, e um pouco disso se deve à descrença de que o matrimônio seja uma via para a felicidade. Se fosse, porquê tanta gente se separaria ?

E Martha prossegue:
"O casamento tem sofrido uma propaganda negativa de tamanho grau que é preciso uma reação da sociedade: está na hora de passarmos a ideia, para nossos filhos, de que uma relação não traz apenas privações, tédio e brigas, mas traz também muita realização, estabilidade, parceria, intimidade, gratificações. Casar é muito bom. Como fazê-los acreditar nisso, se as estatísticas apontam um crescimento incessante no número de divórcios?"

"A saída talvez seja educarmos os filhos desde cedo para que a ideia de separação seja acatada como algo que faz parte do casamento. Ou seja, quando os pirralhinhos perguntarem: "Mamãe, você ficará casada com o papai pra sempre?, a resposta pode ser: "Enquanto a gente se amar, continuaremos juntos - senão, vamos virar amigos, o que também é muito bom"".

"Isso pode parecer chocante para quem jurou na frente do padre que iria ficar casado até o fim dos dias, mas há que se rever certas fórmulas, a começar por esse juramento que mais parece uma punição do que um ideal romântico. Está na hora de um pouco de realismo: hoje vivemos bem mais que antigamente, com mais informação e mais oportunidades. Deve ser bastante confortável e satisfatório ficar casado com a mesma pessoa por quarenta ou cinquenta anos, é um bonito projeto de vida, mas se a relação durar apenas dez ou quinze, é bom que a gurizada saiba: não é um fiasco. É normal."

"...Para evitar essa fuga em massa do casamento, a saída é, como sempre, a honestidade. Seguir educando para o "eterno" é uma incongruência. Ninguém fica no mesmo emprego para sempre, ninguém mora na mesma rua para sempre, ninguém pode prometer uma estabilidade vitalícia em relação a nada, e se a maioria das mudanças é considerada uma evolução, um aperfeiçoamento, por que o casamento não pode ser visto dessa mesma forma descomplicada e sem stress?

"A frustração sempre é gerada por expectativas que não se realizam. Se nossos filhos ainda são criados com a ideia de que pai e mãe viverão juntos para sempre, uma separação sempre será mais traumática e eles também temerão "fracassar" quando chegar a vez deles. Se, ao contrário, souberem desde cedo que adultos podem (não é obrigatório) viver duas ou três relações estáveis durante uma vida, essa nova ética dos relacionamentos será absorvida de forma mais tranquila e eles seguirão entusiasmados pelo amor, que é o que precisa ser mantido, em benefício da saúde emocional de todos nós."

(Da crônica "Educação para o divórcio", pág. 22 do livro "Feliz por nada").

Observe que as posições de Martha Medeiros sobre os temas que ilustrei acima são progressistas, e que estão à frente do nosso tempo.

Divã, de 2002, talvez o romance mais famoso de Martha Medeiros e que deu origem a uma peça, um filme e série de TV, todos estrelados pela atriz Lília Cabral, no papel de Mercedes.

Divã é, na minha opinião, um dos melhores filmes nacionais que já assisti. E Lília Cabral, numa atuação estupenda.

Não posso deixar de mencionar mais essa crônica:
 "O poder terapêutico da estrada". Que, afinal, tem algo a ver com o assunto principal do blog, que é a estrada e são as viagens......rsrsrs.

Vamos ver alguns trechos da crônica:
""Viajar é um ato de desaparecimento", escreveu certa vez o americano Paul Theroux, um dos escritores mais bem sucedidos na arte de narrar suas andanças pelo mundo. É uma frase ambígua, pois parece verdadeira apenas do ponto de vista de quem fica. O viajante realmente desaparece para nós...... Já para aquele que parte, viajar não é um ato de desaparecimento. Ao contrário, é quando ele finalmente aparece para si mesmo."

"Somos seres enraizados. Moramos a vida inteira na mesma cidade, mantendo um endereço fixo. Nossa movimentação é restrita: da casa para o trabalho, do trabalho para o bar, do bar para a casa, com pequenas variações de itinerário. Essa rotina vai se firmando gradualmente e um belo dia nos damos conta de que estamos vendo sempre as mesmas pessoas e conversando sobre os mesmos assuntos. Não há grande aventura ou descoberta no nosso deslocamento sistemático dentro desse microcosmo. Isso sim, soa como um desaparecimento. Onde foram parar as outras partes de nós que compõem o todo?"

"Viajar é sair em busca dos nossos pedaços para integralizar o que costuma ficar incompleto no dia a dia."
"...Há em nós uma persona oculta que só se revela quando a gente se põe em movimento".

E, no trecho final, Martha completa:
" Que seus pais não me ouçam, mas se você está entre iniciar uma terapia ou se largar no mundo, comece experimentando a segunda opção. Ambas levam para o mesmo lugar, mas num consultório não tem vento no rosto nem céu estrelado. Se não funcionar, aí sim, divã."

Tantas outras crônicas eu gostaria de colocar aqui, mas a postagem vai ficar muito extensa (aliás, já está). Sugiro então, que, se você gosta de uma boa leitura, não deixe de ler a Martha Medeiros.

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